segunda-feira, 23 de maio de 2011

Sociedade e Consumo


“Criança: A Alma do Negócio”
Comentário Crítico
Por Silvia Matos


Em todo o mundo o consumo vem aumentando de forma significativa. Um dos fatores se deve ao acúmulo de capital das empresas e expansão de produtos criados por elas, juntamente com os anúncios publicitários que propõem consumo a todo o momento. Além da profunda interferência que esse consumo causa a natureza pela exploração de matérias-primas necessárias às indústrias, tem trazido também mudanças no comportamento e nas relações humanas. O consumo tem se tornado a finalidade última, e em muitos casos passa-se a adquirir cada vez mais produtos supérfluos, motivo pela qual as indústrias têm investido na quantidade e variedade de bens e serviços.

A lógica da atividade econômica tem se invertido, pois tem ido além da satisfação das necessidades básicas, e o consumidor passa a estar a serviço da produção.  Com a finalidade de se escoar os bens, são criados técnicas de publicidade e propaganda cada vez mais arrojadas e criativas. Visto que, o tempo de vida útil dos produtos é encurtado, a sociedade do consumo está emersa na idéia da descartabilidade, o do “usar e jogar fora”. Dessa forma, a comunicação mercadológica voltou sua atenção para atrair o mundo infantil na busca da satisfação e do prazer imediato no ato de consumir. Passou a fazer isso sem dó e muitas vezes sem dar a menor atenção aos efeitos colaterais do exagero da sedução no desenvolvimento afetivo, intelectual e psicológico. Constantemente nos deparamos com cenas em que as crianças acumulam brinquedos e em um curto prazo de tempo desejam substituir por outro que estava mais na moda ou mais evidenciado pelos meios de comunicação. Hoje com freqüência vemos crianças a dar palpites e opinar sobre compras e acima de tudo a exigir coisas. Segundo Wallon, na idade de 3 aos 6 anos (idade do personalismo), a criança está dividida em um desejo intenso de autonomia e seu vínculo com as relações familiares. Nesse espaço em que ela se encontra pode ser mais fácil para ela fazer alguns ensaios de autonomia, na qual é levada a fazer escolhas, de negar algo, de discordar de alguém, de dizer não. Este mesmo autor afirma que o desejo intenso de autonomia também poderá influenciar nas escolhas de consumo que uma criança venha a ter em cada fase de desenvolvimento. A publicidade voltada para o mundo da criança tem estimulado também a vaidade infantil e a erotização através das roupas, músicas, do modismo em geral. No artigo “Os percursos do corpo na cultura contemporânea”, Malu Fontes apresenta o percurso do corpo, sobretudo o corpo feminino, que segundo seu estudo é mais suscetível aos modismos ditados pela Publicidade. Se os efeitos de marketing já são decisórios na vida de um adulto, quais seriam então as conseqüências disso na mente de uma criança?

É o que mostra o documentário “Criança: A alma do negócio”, nele abrange como a sociedade de consumo e as mídias interferem na formação de crianças e adolescentes e como estes se tornaram alvo de negócios para a publicidade. A imprensa descobriu que é muito mais fácil convencer uma criança do que um adulto. E por se tornar alvo fácil, é constantemente bombardeada pela indústria de consumo. O livre acesso à mídia e aos meios de comunicação por parte das crianças interfere diretamente no comportamento destas e no seu desejo de consumir. É comum encontrarmos nos shoppings e mercados, os pequenos chorando para adquirir ou consumir um produto. Para evitar um constrangimento, a mãe ou o adulto responsável não costuma negar. E o que chama a atenção é a brilhante memória infantil para as marcas e preferências. Pois o produto desejado é o que está na mídia com mais freqüência, através de propagandas divertidas e rótulos chamativos e bem coloridos. E se o produto adquirido não for o veiculado pela mídia, este não serve, porque a criança não compartilha da mesma convivência com os colegas e, portanto, é excluído.

Uma das cenas mais marcantes no documentário é quando uma das crianças entrevistada em seu espaço fechado, não reconhece as frutas e os legumes que lhe é mostrada. Por ter acesso à educação certamente conheça os nomes em figuras impressas em revistas ou livros didáticos, mas não houve nenhuma associação destes nomes aos objetos reais palpáveis, gerando até mesmo certa estranheza ao tocar a manga e a cheirar o pimentão. Porém foi certeira na marca do produto, quando lhe foi mostrado um saco de salgadinho. A cena apenas ratifica a concepção de que o uso indiscriminado de produtos industrializados pode prejudicar a saúde e a qualidade de vida de muitas famílias, colocando-as em situações de grande dependência e fragilidade. Ao deparar-me com essa cena automaticamente fui transportada a refletir na situação em que se encontrará o estado de saúde pública das próximas gerações!

O filme evidencia que o consumo é um hábito que aos poucos é incentivado e desde muito cedo é fomentada pelo excesso de publicidade veiculado na televisão e todos os outros meios de comunicação. Em parte, vale ressaltar que o assunto ficaria ainda mais sério caso retratasse do uso de mensagens subliminares para crianças e seus efeitos, que é uma forma ilegal de induzir a compra, na qual ela não se toma consciência, mas o cérebro é capaz de registrar em seu subconsciente um desejo, que pouco tempo depois de exposta a cena, dá vontade de consumir aquela marca, mostrada num intervalo de propaganda aparentemente simples e discreta.

Em contrapartida desse bombardeio, os cuidados da proteção da infância diante dos avanços publicitários, o Instituto Alana, organização sem fins lucrativos, tem como missão fomentar assistência social e educacional promovendo atividades em prol da defesa dos direitos das crianças e dos adolescentes no que se refere às relações de consumo de forma geral e aos exageros no ato de consumir em que essas crianças são expostas. A partir daí, fica o questionamento: Onde se encontra a dimensão ética na Publicidade voltada para o mundo infantil? Chauí afirma que “toda moral é normativa, pois cabe-lhe a tarefa de inculcar nos indivíduos os padrões de conduta, os costumes e valores da sociedade em que vivem”. Conclui-se, portanto que a ética está estreitamente relacionada a moral, e que valores morais são a fonte de valores éticos, e que os valores morais é a base de uma sociedade em completa organização. Porém encontramos na televisão e nas mídias, a artificialização da existência, onde a publicidade apresenta às crianças uma série de objetos de consumo prometendo-lhes um mundo colorido cheios de sonhos e alegrias através de objeto de desejo, fazendo com que traços que seriam estabelecidos pela história familiar e pela experiência cultural passem a ser marcados de forma fragmentada pelas vias dos objetos.   


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